quarta-feira, 5 de julho de 2017

ENTREVISTA DE R. SAMUEL A LUIZ ALBERTO MACHADO

ENTREVISTA DE R. SAMUEL A LUIZ ALBERTO MACHADO


ENTREVISTA DE ROGEL SAMUEL A LUIZ ALBERTO MACHADO

GP - Rogel, quando foi e como se deu o encontro entre o amazonense filho de francês com brasileira e neto de rico comerciante da borracha com as artes, notadamente a Literatura?
Primeiro é bom saber: nasci pobre e não vi a riqueza de Maurice Samuel. Nasci na decadência. Você nem imagina com quem comecei: foi com Camões... Num livro didático de infância havia um trecho da Elegia que começa assim:
"Poeta Simónides, falando ? co capitão Temístocles, um dia..."

O trecho diz:
Oh ! lavradores bem-aventurados !
Se conhecessem seu contentamento,
como vivem no campo sossegados !
dá-lhes a justa terra o mantimento,
dá-lhes a fonte clara a água pura,
mungem suas ovelhas cento a cento.
não vêem o mar irado, a noite escura,
por ir buscar a pedra do Oriente;
não temem o furor da guerra dura.
Vive um com suas árvores contente,
sem lhe quebrar o sono sossegado
o cuidado do ouro reluzente.

E por aí vai. Eu fiquei muito impressionado. Até hoje tenho emoção com a simplicidade dos versos, a evocação. Foi Camões quem me despertou, veja só. E depois, Manuel Bandeira. Li menino. O texto de Camões está no nosso blog.
Depois ganhei uma antologia, que até hoje considero a melhor: «Obras primas da poesia universal», de Sergio Milliet. Editora Martins. Esgotada.
GP - Quais as influências da infância e adolescência marcaram a formação dos primeiros versos, primeiros escritos, considerando a publicação do seu primeiro poema num jornal nessa fase da sua vida?
Sim, comecei a escrever nos jornais de Manaus muito cedo, com 16, 17 anos. Naquela época era assim. Os jornais estavam abertos. Mesmo para o que não prestava. Eu me lembro de uma página muito curiosa de «O jornal do comércio», órgão dos Diários Associados em Manaus, de 16 de abril de 1961, em que há um conto meu chamado «Sofia», ao lado um novo poema de Drummond, em baixo havia uma crônica de Guilherme Figueiredo e no rodapé um artigo de Sergio Milliet, intitulado «O dia amanheceu cantando». Eu tinha 18 anos. O jornal era dirigido por Felipe Daou, ainda vivo. Aquele pessoal era mesmo irresponsável.
GP - Apesar de escrever seus versos desde a adolescência, você, pelas suas publicações, começa com Crítica da Escrita, em 1979. A poesia ficou de lado ou o professor que se impunha? Este é o resultado de seus estudos e trabalhos na universidade?
Quando me mudei para o Rio, em 1961, publiquei muito pouco. Lembro-me de artigo no «Correio da manhã», que não tenho, e pouca coisa mais. Eu estava mal acostumado: em Manaus você vinha com o original e punha na mesa do editor. No dia seguinte aquilo era publicado com destaque. No Rio, havia um clube fechado. Eu tive as portas abertas para a televisão, através do irmão de uma amiga de Manaus que dirigia a parte comercial da TV Rio, onde trabalharam na mesma época, creio, o Bôni e o Valter Clark. Trabalhei na redação muito pouco tempo e larguei. Era à noite, eu tinha faculdade de manhã. Burrice, talvez. Virei professor. Não procurei mais os jornais, não sou bom vendedor de mim mesmo.
GP - Um fato, eu conheci você primeiro pelo "Manual de teoria literária" na época em que eu fazia Letras, por volta de meados da década de 80, por ai, salvo engano. Hoje esta obra está já com 14 edições. E também, depois, o agradabilíssimo "O que é Teolit?". Como se encontrava o poeta enquanto professor?
Não se encontrava. Eu fui fazer letras porque era assim que eu supunha ser a formação do escritor. Um dia um amigo meu, o Nathanael Caixeiro, que fazia traduções, me apresentou ao pessoal da Vozes. Assim nasceu o "Manual de teoria literária". Anos depois, publiquei ali os três volumes de «Literatura básica». Foram livros com vários autores, que coordenei. Um dia mandei um projeto para os «Primeiros passos», da Brasiliense. O projeto era um livrinho: «O que é teoria literária». Depois de várias tentativas, o livro não saiu, porque invadia o conteúdo de outros títulos. Acabou sendo publicado pela Marco Zero, na época pertencente ao Marcio Souza, como "O que é Teolit?". Publiquei mais 2 livros por conta própria: «Crítica da escrita» 1981; e «O Amante das Amazonas», 1992. Hoje tenho dois livros na praça. O «Novo manual de teoria literária» (Petrópolis, Vozes, 2002. 158p), que está em 3 a edição, livro só meu, atualizado com as modernas teorias. E «O amante das amazonas» (Belo Horizonte, Itatiaia, 2005, 164 p.), que não é só a 2 a edição, mas é um livro revisto. Além disso, houve «A linguagem e a idéia no discurso poético» (Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 1978, dissertação de Mestrado) e «A reconstrução da subjetividade no grande sertão» (Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 1983. 290 p., tese de Doutorado, nunca publicada).
Como professor dei todo tipo de aula: para escolas particulares pobres do primeiro e segundo graus, cursinhos, no subúrbio, em escolas de ricos, no estado, no município, em faculdades particulares.
Para sobreviver dava aula de manhã, de tarde e de noite. Fui professor de latim. Estudei na UFRJ, no Rio de Janeiro, onde fui aluno de Alceu Amoroso Lima, Matoso Câmara, Afrânio Coutinho, Anísio Teixeira. Fiquei uns 10 anos sem publicar, nesse período. Depois, ingressei por concurso na UFRJ, fiz mestrado e doutorado. E me aposentei. Hoje só escrevo.
GP - O poeta aparece publicado só em 90 com "Poemas" e depois com "120 poemas". Fala dessa experiência e resultados desses projetos.
«Poemas» foi uma bela edição artesanal. Os «120 poemas» é um folheto impresso, tenho até hoje. Eu nunca parei de escrever poesia, desde a adolescência até os meus atuais 63 anos. Mas nunca consegui ter confiança no que fazia. Acho que o poeta tem de ser um louco irresponsável e não se avaliar muito. Estou pensando em colocar todos poemas num site, ou publicar em livro.
GP - Como escritor, eu vi o seu "O amante das amazonas", um livro interessantíssimo que li de um fôlego só e onde você mistura ficção e realidade com uma narrativa bem gostosa. Este livro inclusive recebeu sua segunda edição recentemente. Fala do processo de criação, expectativa e resultados com este seu projeto?
Foram dez anos de trabalho, mais de 100 livros lidos e dez versões. Mesmo essa segunda edição foi revista. O livro tem aquilo que você viu, é um mar de estórias em torno daquele Palácio construído no meio da selva. Primeiro fiz uma pesquisa, entrevistei pessoas que ainda se lembravam dos fatos. Li cerca de 100 livros. Depois, devido ao excesso de informações fiquei perdido. Aí resolvi contar para um gravador. Depois de ouvir muitas vezes, voltei a narrar no gravador. Então fiz as várias versões escritas, quase dez. Há algo de romance policial ali, além de ficção científica.
Quanto ao processo de criação... bem, é melhor escrever do que ler um romance. Ao escrever um romance você tem todas as possibilidades do mundo. Porque o mundo não existe, ali: você tem de criá-lo.
Tenho vários projetos. E vários livros escritos na gaveta. Meu único problema é que escrevo muito devagar e trabalho muito o texto. Como nunca fico satisfeito acabo criando várias versões do mesmo livro e perco muito tempo. Tudo meu leva vários anos para sair e a vida é curta. Mas cada livro ganha uma técnica especial só dele.
A minha «obra» literária publicada, aos 63 [na época] anos de idade, é muito pequena. O que eu mais publiquei foram contos e crônicas. Recentemente voltei para os livros maiores.
GP - Rogel, além de professor aposentado, poeta e escritor, você também é webjornalista e escreve regularmente para sites e portais da Internet. Fala, então, da importância da Internet na difusão do seu trabalho.
Vejo na Internet o futuro da literatura. Liberta o escritor da grande media, dos editores. O escritor logo encontra seus leitores ali. Estou publicando minha próxima novela ali, na Internet. Não passo sem Internet. Entro na Internet várias vezes ao dia. Meu mundo hoje é o mundo da Internet.
GP - Qual a avaliação que você faz desse veículo Internet na relação do escritor com o leitor? E desta com o trabalho impresso e frente a frente com o leitor?
Gosto da Internet porque esta média me levou a retomar o que eu poderia chamar de meu público e minha obra. Escrevi uma centena de artigos em jornais impressos, e muito mais na Internet. Penso que o livro vai-se tornar cada vez mais caro, e a web será o grande veículo do futuro. Para a música também. Eu gostaria de ver o Ministério da Cultura disponibilizar toda a obra de Villa Lobos em mp3, mesmo pagando ele os direitos autorais. Porque é muito difícil ouvir certas coisas. Hoje sou um escritor da rede. Se você colocar meu nome num site de busca vai-me encontrar.
GP - Você mantém na rede um sítio pessoal onde publica seus trabalhos literários, livros e, ainda, apresenta um diretório de autores. Qual a proposta deste diretório?
A princípio era uma antologia de vários autores. Tem vários anos. Tentei fazer um site de literatura de qualidade, porque na época não havia. Há livros inteiros. Há clássicos ali, e livros raros. Meu site tem muita música clássica, em midi. Fui o primeiro a publicar autores amazonenses da Net. Tenho colunistas. E escritores cativos. A grande poetisa portuguesa Maria Azenha às vezes me manda de Lisboa um poema acabado de escrever. 
GP - Qual a avaliação que você faz da atual Literatura brasileira?
Há muita gente boa, mas a divulgação não se dá na grande media. Acho que os grandes poetas do presente só serão conhecidos daqui a muitos anos. Os grandes ficcionistas brasileiros jovens ainda não confiam na Internet. Conheço uma boa escritora que tem 5 excelentes romances para publicar. Eu disse para ela: publique na Internet. Mas o pessoal tem medo de perder a autoria. O que é um medo sem fundamento. Mesmo o livro impresso pode ser copiado. E é muito difícil encontrar um editor. E, sendo editado, é muito difícil vender o livro. É muito difícil fazer chegar o livro nas livrarias. Tudo é muito difícil na vida de um escritor. Eu escrevo há 40 anos, sei disso. Alguns tem sorte, fazem sucesso fácil. Mas o sucesso fácil pode ser enganoso. Mesmo os que fizeram muito sucesso um dia podem cair no esquecimento, depois. Eu poderia citar vários casos. Entretanto, o escritor tem de ter sucesso de alguma forma, isto é, público. Nós escrevemos para alguém. A não ser que seja um escritor que se julgue um gênio tal que escreva para o futuro. Um louco. A atual literatura tem muita gente boa. Em cada estado brasileiro você encontra uns 10 bons escritores, nem sempre eleitos pela media. Os grandes jornais só privilegiam a literatura estrangeira. Mas estão perdendo prestígio para a Internet. Os estudantes universitários só pesquisam pela Internet, não pelos jornais. Eles são os nossos grandes leitores, hoje. Você precisa ver como o Canadá promove os seus escritores. Nas livrarias eles estão na frente. Portugal os divulga no mundo. O governo espanhol mantém uma verba especial para a «nova poesia». O governo alemão compra parte da edição de todo escritor alemão, para incentivar. Há uma verba para a aposentadoria dos escritores. Nas bibliotecas, a consulta a escritores alemães é paga. Muitos governos se orgulham de seus escritores. O Brasil nada faz. Aqui o escritor não tem prestígio. Se você está em Paris e alguém pergunta: «O que você faz?», responda «Sou escritor». Será olhado com muito mais respeito.
GP - Como professor aposentado, você acha que a universidade tem cumprido o seu papel na formação dos que ali chegam e se tornam graduandos?
Algumas universidades de bom nível, talvez. Mas o bom aluno independe da Universidade. A universidade mudou muito. Está em crise.
GP - Como viajante, quais são seus planos? Fale de suas viagens.
Sim, sou um viajante nato. Gastei tudo que tinha em viagens, inclusive o fundo de garantia. Fui 2 vezes à Austrália, 3 vezes ao Nepal, várias vezes à Europa, várias vezes aos USA e ao Canadá. Foram viagens de longa permanência, sozinho. Certa vez fique 2 meses e meio no Nepal. Ou 2 meses no interior da Austrália. Creio que fui 17 vez ao exterior e viajei muito pelo sertão e pelo interior do Amazonas. Viajei de carro, trem, barco. Hoje estou mais devagar. Falta energia física. Além disso o mundo está em guerra... Lembro-me que, logo após a 11 de setembro, fui a Los Angeles: fui examinado pela polícia várias vezes no caminho. Um amigo meu estava no Oriente e de repente se viu no meio de uma guerra! Passei sobre o Iraque depois da primeira guerra do golfo e vi os campos de petróleo em chama. Estive no Aeroporto do Paquistão e me impressionou aquele país. Hoje é um pouco perigoso viajar como sempre fiz, sozinho. Além disso, há assaltos até em Paris.
GP - Quais os projetos que Rogel Samuel têm em mente por realizar?
Estou trabalhando em «A história dos amantes», que está saindo na Internet, em http://www.blocosonline.com.br/home/index.php É um texto antigo, todo re-escrito. Conta a vida de jovens na década de 60, sob a ditadura militar. 

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